Influência política: impacto social e diferentes formas de medir

O

cientista político norte-americano Harold Lasswell é reconhecido como um dos pioneiros na formação do campo de análise de políticas públicas (policy analysis). Para o autor, a análise da política é, essencialmente, uma análise da influência política. Em resumo, a análise política deve ser capaz de responder “quem ganha o quê, quando e como[1]. Entretanto, a análise da influência política é um tema desafiador e, consequentemente, instigante também.


Um dos principais desafios da análise da influência política é de ordem metodológica. Além das ações diretas de grupos de interesse e organizações que buscam influenciar o processo de tomada de decisão política, existem vários fatores que desempenham um papel importante nesse processo. Em livro recente, “Lobby e políticas públicas” (2018), Wagner Mancuso e Andréa Gozetto destacam três fatores que influenciam a tomada de decisão, além das ações dos interesses organizados:


i) o perfil do decisor: A depender de seus valores pessoais, preferências, visões de mundo e crenças, o decisor pode ser mais ou menos receptivo a determinadas demandas dos diversos segmentos sociais;


ii) o tipo de decisão: Nem todas as demandas sociais têm a mesma chance de ser consideradas. Pautas com elevado grau de conflito e que distribuem elevados custos a determinados setores sociais têm menos chances de serem aprovadas do que aquelas que não mobilizam opositores.


iii) o contexto decisório: Além do próprio ambiente institucional da tomada de decisão, o contexto econômico, social, histórico e, obviamente, político, influenciam as chances de determinada demanda ser aprovada.


Todos esses fatores (e esses são apenas alguns dos principais) se relacionam e influenciam a tomada de decisão, de modo que isolar para medir o efeito real de cada um é um desafio e tanto para os analistas. Apesar dessas dificuldades, não faltam esforços nesse sentido.

De modo geral, existem três tipos de estudos sobre influência política: (i) aqueles que mobilizam indicadores baseados em impressões; (ii) aqueles que mobilizam indicadores baseados em resultados e (iii) os que buscam inferir o poder de influência dos atores com base na sua atuação.


Os estudos baseados em impressões se concentram em analisar as percepções de diferentes atores políticos envolvidos nos jogos de influência, como os próprios agentes de relações institucionais e governamentais (RIG), os tomadores de decisão, os especialistas no assunto e a própria população[2]. O intuito é identificar a percepção desses atores políticos sobre a capacidade dos interesses organizados influenciarem a tomada de decisão. Claro que este tipo de estratégia metodológica tem limitações. Primeiro, que se trata de impressões sobre influência e não da influência propriamente dita. Além disso, cada tipo de ator pode adotar critérios diferentes da avaliação sobre influência. A literatura especializada destaca que os lobistas tendem a superestimar a sua capacidade de influência, enquanto os tomadores de decisão tendem a subestimar. Portanto, não teríamos uma medida objetiva sobre a influência política.


Os estudos baseados na análise de resultados buscam avaliar a influência de segmentos sociais específicos (setores econômicos, por exemplo) em determinados resultados. Esses estudos buscam contrastar as demandas do setor com o resultado final da decisão[3]. Se a demanda for compatível com o resultado, poder-se-ia inferir que o setor teve influência sobre o resultado. Estudos dessa natureza também buscam reconstituir todo o processo decisório para não perder informações contextuais na análise[4]. No entanto, esses estudos, embora forneçam explicações convincentes para casos específicos, apresentam limitações quando se trata de generalizar os fatores determinantes da influência política em um sentido mais amplo ou para um número maior de casos.


Por fim, os estudos baseados nas ações dos atores políticos buscam verificar a intensidade do envolvimento de um ator político em determinadas arenas políticas ou issue. Para esses estudos, a presença e a atuação dos atores é proxy[5] de sua influência[6]. Assim, se ele esteve presente e desempenhou um papel relevante no processo decisório, tudo indica que ele é influente. O problema é que nunca sabemos se os atores que influenciaram uma decisão revelaram, de fato, sua presença numa determinada decisão. Boa parte da influência se dá longe dos holofotes. Simplificando o argumento, acesso político não significa necessariamente influência política.


Como vimos, todos os caminhos para medir influência nos levam à incerteza, ou à ambiguidade, o que é pior. Afirmar que a ação de um grupo ou ator político X influenciou uma decisão Y, significa dizer que a decisão Y não teria acontecido sem a ação de X. E todos os tipos de estudos mencionados apresentam limitações para a inferência causal sobre a influência, pois não permitem o exercício contrafactual. Apesar dos avanços nos estudos sobre a atuação política dos interesses organizados, o problema para se medir influência ainda não foi superado. Como vimos, muitas iniciativas louváveis devem ser festejadas e são muito bem-vindas. Elas lançam luz sobre o problema, mas ainda temos muito a fazer. Essa é uma tarefa que cabe tanto aos acadêmicos quanto aos estrategistas políticos que trabalham no dia a dia com influência política.


Avaliar o real impacto da influência política é questão crucial. Não apenas como descoberta científica, capricho acadêmico ou para a aplicação prática por profissionais de RIG. Essa questão é crucial para o aperfeiçoamento da democracia. Sociedades nas quais persiste a permanente violação de direitos e a concessão de privilégios pela via do atendimento de demandas de grupos específicos em detrimento de outros estão fadadas a serem uma sociedade cada vez mais injusta e desigual. Se não conseguimos medir, de fato, a extensão desse viés, não conseguiremos pensar em formas efetivas de mitigar seus efeitos. 



[1] Para quem gosta de clássicos, recomendamos fortemente a leitura atenta de Lasswell, Harold (1984) Política: quem ganha o que, quando, como. Editora: Universidade de Brasília (link).

[2] Dicas de leitura, não exaustiva. Percepções sobre a Regulamentação do Lobby 2021 - DataSenado (link). Os cabeças do Congresso Nacional - Diap (link).

[3] Dicas de leitura. O parlamentar sob influência: o lobby da indústria na Câmara dos Deputados (link), Representação de Interesses na Câmara dos Deputados: o lobby e o sucesso da Agenda Legislativa da Indústria (link).

[4] Livros exemplares. Alimentação em jogo: o lobby na regulação da publicidade no Brasil (link), Saúde em jogo: atores e disputas de poder na Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS (link).

[5] Aqui estamos interpretando proxy como algo que atua em substituição de outra coisa, em representação de outra coisa. De forma aplicada ao nosso contexto, uma medida indireta que nos permite inferir sobre a influência política dos atores.

[6] Dica de leitura. Os mais influentes do Congresso Nacional 2022 (link), Redes de influência no Congresso Nacional: como se articulam os principais grupos de interesse. (link),Financiamento de Campanha e Lobbying Empresarial nas Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados (link)



Escrito por:


Manoel Leonardo Santos

Professor do Departamento de Ciência Política e coordenador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG.

Karoline Rodrigues de Moraes

Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Caio Cardoso de Moraes

Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).



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