Os desafios e oportunidades no pós-pandemia

ABRIG: Quais as perspectivas de desenvolvimento para o seu setor de atuação pós pandemia?


ELIZABETH DE CARVALHAES: A pandemia da Covid-19 fez com que a indústria farmacêutica se mobilizasse rapidamente com esforços em pesquisa e desenvolvimento, e com parcerias entre grandes laboratórios e startups, com institutos de pesquisas e governos, para buscar trazer soluções para os desafios sanitários e, consequentemente, sociais e econômicos resultantes da pandemia. Isso tudo permeado pelos desafios de alta de custos de insumos, desafios logísticos e cambial.


Mas, temos algumas lições desse período:

  • a ciência deve ser a base das discussões e políticas em saúde;
  • investimentos para o desenvolvimento de um complexo industrial farmacêutico no país é fundamental, independente do capital dessa indústria – nacional ou estrangeiro;
  • celeridade nos processos regulatórios e legais é chave para que novas tecnologias cheguem aos pacientes o quanto antes;
  • o investimento histórico em pesquisa de laboratórios farmacêuticos e institutos de pesquisa pode acelerar o processo de novas descobertas;
  • a digitalização da saúde ganhou espaço e deve permear cada vez mais os cuidados com a saúde. Essas lições são fundamentais para um olhar do setor privado, dos gestores públicos e da sociedade, para endereçar desafios da saúde.

O pós-pandemia nos trará alguns desafios. Houve um importante represamento no cuidado das pessoas com a saúde, nos diagnósticos precoces e tratamentos. E isso terá um preço para os sistemas de saúde e os pacientes. Pacientes oncológicos, com doenças crônicas, deixaram de ser diagnosticados e tratados.


A digitalização, que já vinha acontecendo, ganhou força na pandemia e agora precisa ser regulamentada. Por exemplo, a discussão sobre telemedicina, prontuário e receituário eletrônico, os aplicativos usados para isso e etc.


A ANVISA, agência que desempenhou importante papel na pandemia, trazendo celeridade nas aprovações de pesquisa clínica e registro de vacinas e produtos, teve um importante shift nas suas atividades para atender os produtos relacionados ao combate da Covid. Hoje, sabe-se que a avaliação de processos e registro de produtos para outras terapias também ficaram represados. A ANVISA tem um backlog que deve levar de três a cinco anos para se normalizar. Além de mais técnicos, alguns processos devem ser otimizados, para que outras doenças e tratamentos não sejam também afetados.


Também vimos a importância da pesquisa clínica. Nunca se falou tanto na fase I, II, III. E o Brasil, historicamente, vem perdendo espaço para outros países da América Latina em estudos clínicos. É fundamental uma melhoria no arcabouço legal e regulatório para que o Brasil esteja na vanguarda dessas pesquisas. Esperamos que o Projeto de Lei nº 7.082/2017 ganhe espaço nesse pós-pandemia e seja aprovado. As condições previstas sobre o fornecimento de tratamento pós-estudo e sobre a celeridade nos processos são fundamentais para que tenhamos mais pesquisa no país.


ABRIG: Como a COP 26 e os desafios ambientais impactam 2022 e 2023?


ELIZABETH DE CARVALHAES: Durante a COP 26, a OMS enfatizou que são crescentes as evidências do impacto das mudanças climáticas sobre a saúde das pessoas. Na Conferência, um grupo de 47 países se comprometeu a desenvolver sistemas de saúde capazes de lidar com as demandas das mudanças climáticas, incluindo o surgimento de novas epidemias, e diminuir as emissões de carbono.


A OMS também trouxe para a discussão a importância de o futuro da saúde ser construído sobre sistemas de saúde que sejam resistentes aos impactos de epidemias, pandemias e outras emergências, mas também aos impactos da mudança climática, incluindo eventos climáticos extremos e a carga crescente de várias doenças relacionadas à poluição do ar e ao aquecimento do planeta (como doenças alimentares e morte prematura).


A indústria farmacêutica deve seguir esses padrões, não apenas nos compromissos de redução de emissão, como em todas as outras indústrias, mas em ajudar a buscar soluções para sistemas de saúde mais fortalecidos e sustentáveis.


ABRIG: Como as Relações Institucionais e Governamentais podem ajudar nos desafios que estão por vir no seu setor de atuação?


ELIZABETH DE CARVALHAES: A pandemia também enfatizou a necessidade do relacionamento próximo e transparente da indústria de saúde com os gestores e formadores de políticas públicas. Em muitos casos, ficou claro que há ainda muito desconhecimento por parte de quem define políticas em saúde. Em 2021, com todos os desafios de engajamento com o Congresso Nacional, impostos pelo sistema remoto de deliberações, foram apresentados inúmeros projetos de lei que afetam diretamente a saúde e a indústria farmacêutica.


Alguns deles, inclusive, com o objetivo de trazer soluções ou endereçar os desafios econômicos e sociais da pandemia, mas que, por consequência, traria insegurança jurídica ou desafios futuros para a atração de novas pesquisas e tratamentos para os brasileiros.


Um exemplo foi toda a discussão sobre a necessidade de quebra de patentes, proposta pelo PL nº 12/2021 que virou a Lei nº 142.00/2021 com alguns trechos acertadamente vetados pelo Presidente da República. Apesar do nobre objetivo do Congresso de trazer mais vacinas para a população, a mudança na Lei de Propriedade Industrial da maneira como proposta, obrigando a transferência da tecnologia por parte dos detentores da inovação, não traz nenhum benefício imediato. Não trará mais vacinas para o país. Além disso, pode, inclusive, afastar investimentos no país em novos desenvolvimentos.


Isso mostra a necessidade de um trabalho contínuo e próximo aos parlamentares e gestores públicos no processo de conscientização sobre temas que são fundamentais para o desenvolvimento da indústria no país, para atração de investimentos em pesquisa e inovação, e para a melhoria do acesso de pacientes às novas tecnologias, que possibilitem tratamento e cura de doenças.


Elizabeth de Carvalhaes é presidente-executiva da Interfarma - Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa.


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  


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