A globalização sofrerá reversão parcial afetada pela pandemia, diz ex-FMI Otaviano Canuto

A pandemia do coronavírus impôs diversos desafios aos países, mas, sobretudo, ao processo de globalização. Qual o futuro das políticas transnacionais? Como os países vão adaptar suas ações no pós-pandemia? Seremos um mundo mais regionalizado, ou vamos acelerar a integração para produzir respostas globais a possíveis novas crises?

O tema é complexo e analisá-lo, enquanto os fatos se desdobram, é uma tarefa ainda mais árdua. Mas, a revista da Abrig ouve um dos principais analistas brasileiros do mundo globalizado: o economista Otaviano Canuto, 64 anos, membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute e diretor do Center for Macroeconomics and Development, em Washington, DC. Foi vice-presidente e diretorexecutivo do Banco Mundial, diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) e vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). 

“No Brasil estamos vulneráveis, então, eu acho que uma das consequências desses processos e da pandemia vai ser um redesenho pelos países do que consideram estratégico garantir para produção doméstica”, afirmou.







Abrig: O que projetar para a relação EUA e China na parte comercial e o que pode ter de efeito aqui no Brasil?


Otaviano Canuto: Embora a rivalidade permaneça entre EUA e China, certamente, o presidente Joe Biden não vai reproduzir o mesmo tipo de erro na área comercial feito por Donald Trump. A indústria manufatureira norte-americana não se beneficiou da política de Trump, pelo contrário, recebeu choques de retaliações não apenas da China, mas de outros países, sem que o possível ganho em termos de aumento da produção pudesse justificar a estratégia.


Abrig: E o que a China está fazendo para depender menos dos EUA?


Otaviano Canuto: A China tem se preparado para dar ênfase no crescimento do mercado doméstico. O que quer dizer que a China quer depender mais de si mesma em um futuro imediato. A novidade foi a velocidade em que este processo ocorreu, considerando que começou em 2011.


Abrig: E, da parte dos EUA, pode vir uma busca por maior plurilateralidade com a China?


Otaviano Canuto: É provável que o governo Biden tente voltar ao tipo de movimento que o Barack Obama fez, que foi se juntar a parceiros para fazer pressão através de acordos plurilaterais com os chineses, em busca de mudança de padrões regulatórios, dentro da própria China. Mas, não se engane, a rivalidade vai continuar.


Abrig: Diante da pandemia e das dificuldades que os países enfrentam na vacinação, o que projetar para o futuro da globalização?


Otaviano Canuto: Isso é um fato: o nacionalismo das vacinas, sem exceção. Efetivamente, a cooperação na área de vacinas está em segundo plano. E, a crise da pandemia, no lado sanitário, também revelou um grau de dependência elevado das cadeias globais de valor de produção de vacinas, numa dependência da China e da Índia. O que cria uma sensação de vulnerabilidade.


Abrig: Mas, essa é a realidade do Brasil, não?


Otaviano Canuto: No Brasil estamos vulneráveis, sem dúvida. E, por isso, uma das consequências desse processo e da pandemia é acelerar o redesenho pelos países do que consideram estratégico para garantir produção doméstica. Vamos assistir a uma reversão parcial da globalização.


Abrig: Em qual mundo testemunharemos o pós-pandemia?


Otaviano Canuto: As sequelas da pandemia serão duradouras. Vários dos empregos existentes pré pandemia, inclusive empregos com baixa qualificação de mão de obra, vão deixar de existir. Alguns hábitos de consumo não vão retornar ao que eram. Novos hábitos de consumo, perda de empregos e reformulação do setor de serviços têm implicações enormes sobre a lógica das grandes cidades. As sequelas da pandemia ainda estarão conosco, mesmo depois de um grau de imunização suficiente pelo mundo afora, para dizer que acabou a pandemia.



Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute e diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor-executivo no Banco Mundial, diretor-executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais do Ministério da Fazenda.


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  


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