A pandemia sanitária da desinformação

Apandemia revelou e agravou problemas na gestão da saúde brasileira. Desde que a Constituição alçou a saúde a direito fundamental, impôs ao Estado não só o dever de atender a esse direito, mas também a forma de atendimento. Foi definida a priorização de ações preventivas e protetivas, para posterior atuação assistencial. Houve determinação acerca da organização harmoniosa entre estados, municípios e a União, com a finalidade de garantir o atendimento ao exercício da saúde. Todos esses entes da federação são isolados e responsáveis por atender ao direito à saúde, devendo se organizar para desempenharem essa função, evitando sobreposições e/ou espaços abertos sem atendimento.

A pandemia revelou pouco compromisso dos governantes com as determinações constitucionais. Em seu início, ainda sem perspectivas de vacinação, as medidas preventivas de isolamento físico foram impactadas por discussão sobre o isolamento (se horizontal ou vertical). A segunda alternativa expunha parcela da população ao vírus, sob o argumento de que tinham menos riscos de desenvolver sintomas graves. Esse método colide com o dever de prevenção e proteção da saúde. A discussão retardou a prática do isolamento adequado e afetou a confiabilidade da população à medida preventiva.


Quando já havia disponibilidade de vacinas, o Brasil foi excessivamente lento na aquisição. Isso gerou atraso na vacinação, além de uma competição entre União, estados e municípios para a aquisição de vacinas. Essa competição também teve impacto na credibilidade das vacinas.


Ambos os episódios, isolamento e vacinação, têm um problema em comum: comunicação.


O Brasil não só se comunicou mal durante a pandemia, como também permitiu que a desinformação chegasse à população. Mensagens de conteúdo delirantes, sem qualquer base científica, inundaram postagens em redes de relacionamento e grupos privados. O resultado dessa campanha difamatória em desfavor da saúde é visto e sentido desde o início da pandemia. Repulsa às máscaras, sommeliers de vacina, conexão de medidas protetivas da saúde com ideologias políticas são exemplos vivos desse impacto negativo. E nada se viu do governo para diminuir essa desinformação e os impactos nocivos na saúde brasileira.


Diante desse quadro, uma grande lição é que toda e qualquer ação estatal deve ser pautada em uma política pública eficiente de comunicação. E já há muito existe base jurídica a sustentar esse dever. Trata-se de obrigação instituída pela Lei Orgânica da Saúde, a qual obriga a execução de políticas sociais que visem à redução dos riscos de doenças e a divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde.


É preciso compreender que a desinformação mata. Nesse particular, a comunicação deve ser a mãe de todas as políticas públicas de saúde. A desinformação é também uma doença de proporções pandêmicas, merecedora de uma política pública de qualidade para a confrontar.


Silvio Felipe Guidi é advogado, consultor em gestão jurídica do risco médico-hospitalar, especialista em Direito Administrativo pela SBDP-PR, presidente da Comissão de Direito à Saúde da OAB-PR, ex-assessor jurídico da SEB (mantenedora do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba), do CRO-PR e da Secretaria Municipal de Saúde de Pinhais.


*Os conteúdos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abrig.  


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